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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 6 de dezembro de 2020

A Província de Trás-os-Montes no século XVIII - ECONOMIA

ECONOMIA

Pretende-se aqui tão só fixar a traços largos – e por isso necessariamente imprecisos e incompletos – as características da economia transmontana, de modo a que seja possível situar a Província no contexto nacional, e atentar também nalgumas das suas especificidades e particularidades locais ou comarcãs.
A economia transmontana é por então essencialmente dominada pelo sector agrícola. Aliás assim continuará, para além do período histórico do Antigo Regime até aos nossos dias. Apesar disso, as actividades «industriais» tem também nalguns territórios particular desenvolvimento cujo panorama actual não permite entrever, trabalhando e transformando intensamente algumas matérias primas locais da agricultura e também importadas. Por outro lado, a economia apresenta-se nalguns pontos activamente mercantilizada, suportando deste modo o particular desenvolvimento de certas culturas e actividades e contribuindo para fornecer o mercado interno e a exportação que Trás-os-Montes leva a outras Províncias vizinhas e também ao mercado de exportação nacional.
A economia agrícola, como em geral toda a economia de Antigo Regime, está fortemente condicionada pelas possibilidades físicas da terra e condicionalismos e variações climatéricas, pelo nível pouco desenvolvido dos equipamentos técnicos, pelas tradições culturais e não menos condicionante, pelo regime e enquadramento político-social e regime senhorial em que se insere a vida das populações e o acesso à terra. As culturas agrícolas dominantes são as ligadas à produção do cereal, de capital importância para a alimentação, mas também para a animação de toda a economia social. Sem dúvida, a cultura mais generalizada é a do centeio, cevada e trigo e algum, pouco, milho. Este poderia ganhar maior extensão se se cultivasse, dizem os memorialistas e economistas do tempo. 
Mas a cultura dos milhos está longe de sofrer o mesmo impulso que sofre nas áreas do Portugal Atlântico, onde ao tempo da redacção das Memórias Paroquiais, em 1758 e mais intensamente na etapa em que C. Pinto Ribeiro de Castro levanta a estatística da economia transmontana para descrever a Província, em 1796, a cultura do milho grosso está a substituir em larga escala os milhos tradicionais e a suplantar em muitas partes o centeio e o trigo. Na Província Transmontana o milho ganha só alguma expressão nos concelhos da área atlântica pertencentes à comarca de Guimarães ou pequenas fachas de territórios com água e regadio.
No século XVIII, tal como no passado, a produção cerealífera transmontana mantinha-se, em regra, insuficiente para o consumo provincial e as áreas mais deficitárias situavam-se na comarca de Miranda e Bragança e também Moncorvo. Segundo uma Estatística de 1785 na Província colhem-se 42.186 moios de pão, faltando 11.393. Os maiores déficits (diferença colheita/consumo) são em Miranda, 4623 moios, Bragança, 3.574 e Moncorvo, 2.813 moios. Mas as variações eram grandes de produto para produto e região para região, e naturalmente também, de colheitas para colheitas. De qualquer modo sempre um certo volume de produção comercializável estava em grande parte garantido pela estrutura e funcionamento do regime e renda agrícola senhorial e estrutura fiscal pública e sobretudo a eclesiástica, por efeito dos dízimos.
A cultura da vinha tem em algumas regiões um especial desenvolvimento. A região transmontana do «país vinhateiro» do Douro, região de monocultura da vinha e vinho de qualidade é garantido pelas condições físicas adequadas, pela organização de transporte – fluvial pelo Douro – e a existência de mercados internos e de exportação, garantidos e estimulantes. Mas a cultura da vinha para consumo doméstico ou local está generalizada a toda a Província, com excepção das áreas superiores a 800 metros, tal como certas paróquias do território de Barroso e Boticas. Essa realidade económica condiciona também, por outro lado, uma intensa circulação e comercialização interna de vinho no interior da Província, das regiões produtoras para as regiões não produtoras.
São estas acentuadas diferenças regionais de condicionalismos físicos e climatéricos da produção que explicam, em última análise, a diversidade e uma certa especialização regional das culturas e produções e nelas assentam os fundamentos da forte comercialização e aclimatação e os contrastes culturais do território. É o caso da cultura da oliveira, árvore da zona mediterrânica, que não se adapta às regiões demasiado frias e altitudes superiores a 700 metros. Era na chamada Terra Quente do Norte – de Torre de Moncorvo a Torre de D. Chama – que a cultura estava mais desenvolvida. E também o da cultura do castanheiro que, apesar de mais regularmente espalhada por toda a Província, é muito abundante na Terra Fria Transmontana de Miranda a Montalegre e Boticas, onde para além da importância da madeira, tem um papel acentuado na alimentação quotidiana. 
Grande valor industrial, tem a cultura das amoreiras, cuja área de cultivo se pretende desenvolver no século XVIII para promover a indústria da seda. Mas ainda se cultiva e utiliza largamente o linho e ainda o cânhamo. A pecuária constitui outra das grandes riquezas da Província; em algumas regiões de largos montados e baldios, riqueza quase única e muito intensificada como é o caso da região do «país barrosão». Ela é essencial ao funcionamento das lavouras, aos transportes, à alimentação, mas suporta algumas indústrias muito importantes da região, não só ligadas aos produtos alimentares – carnes, leites, manteigas – mas também aos lanifícios e curtumes.
O ex-juiz de fora de Chaves Luís António Medeiros Velho na sua Memória Económico-Política de 1799 deixou-nos uma pormenorizada descrição da economia das diferentes comarcas da Província Transmontana que não resistimos aqui a transcrever na integra.
A Provincia de Tras-os-Montes que está em huma das partes mais septentrionaes do Reyno se compoem de quatro comarcas: a primeira he a de Miranda, a segunda he a de Moncorvo, a terceira de Bragança, e a quarta de Villa Real, alem de alguns conselhos pertencentes às comarcas de Lamego, e Guimaraens.
A comarca de Miranda he regularmente pouco povoada; tem immensas terras, e alguns montes, e todas proporcionadas para darem trigos, senteios, e cevadas, e poderião dar algum milho grosso e painço, se o cultivassem. Em poucos sitios produz vinhos, e os que se colhem nos concelhos de Lomba, e Vinhaes são generosos, e muito balsamicos, e ainda sem beneficio se conservão muito tempo, e destilados dão bom rendimento em agua ardente: o seu consumo he na propria terra, e algum vay para Galiza e Castella. Nas ladeiras, ou ribadas do Douro se colhem também alguns vinhos, que tinhão saída para Espanha; hoje porem he menor a exportação desque o Ministerio daquelle reyno cuidou em mandar plantar vinhas, e impoz cento e sessenta reis em cada almude de vinho de Portugal de direitos de entrada: porem apezar de todo este disvello, os povos de Galiza se não podem dispensar do mesmo vinho, por ser o frio daquelle paiz contrario á ditta producção, e o mesmo acontece ás terras de Saago, e Campos de Castella Velha, e assim pouco sufficientes aquellas providencias para deixarem de se aproveitar dos vinhos de Portugal, que são melhores, e ficão proximos, e a melhor commodo. Seria justo animar na referida comarca a plantação e verdadeiro cultivo das vinhas; a plantação de castanheiros, para o que he propria a terra, e há poucos à proporção dos dilatados terrenos, e estas arvores ao mesmo passo que dão hum proveitoso fructo, produzem bellas madeiras, e o resto serve de lenhas para os fogos. 
As oliveiras são quazi desconhecidas em toda a comarca, e posto que alguns poucos terrenos podessem produzillas á força de arte, não he necessario forçar a natureza do paiz, he melhor seguilla com a cultivação daquelles fructos, que lhe são mais analogos. Os gados ovelhuns se dão admiravelmente: os carneiros e ovelhas são grandes, a lan boa, porem desgraçadamente está em summa neglicencia semelhante creação, que ao mesmo passo que utiliza com as lans, e admiraveis estrumes dá carnes para o necessario sustento. Na mesma comarca há huma caudelaria donde sahem os melhores cavallos do Reyno e as mulas são formosas de admiravel grandeza mas faz poucos progressos a mesma caudelaria, porque a mayor parte dos cavalos, que servem de pays são pequenos, rixosos outros, já com algumas aleijoens, e cheyos de reçabios, tudo por falta das necessarias providencias, e se acharem muito adulteradas as do regimento das caudelarias do senhor D. Pedro segundo, e ainda estas deminutas para evadirem as referidas malicias dos caudeis e lavradores.
A comarca de Moncorvo he situada em paiz mais temperado e quente: produz muito azeite em quasi todos os concelhos e he o melhor do Reyno, e em toda ella tem amoreiras para a creação do bixo da seda; porem não são as necessarias á proporção das que pode produzir: dá trigos, centeyos, cevadas, legumes, e alguns milhos, e pode produzir nos concelhos de Mirandella, Villariça, Anciaens e outros; muitos e nervosos canamos naquelles predios, que ainda hoje conservão o nome de canameiras, segundo com mayor individuação fiz em ver hum plano que corre por differentes vias. As hortaliças são das melhores, produz regularmente poucos vinhos, mas pode produzir muitos mais; porem o solto da terra, a má escolha das uvas, o fraco grangeo das vinhas, e feitoria dos vinhos faz que posto que sejão maduros prometão pouca duração, excepto os vinhos de Santa Valha, que são dos melhores da provincia para o quotidiano uso. Não produz castanheiros senão no conselho de Monforte, pelo calido do paiz.
São os carneiros e ovelhas e lans admiraveis e finas; porem em tudo há suma indolencia e crassa ignorancia. Nos conselhos da Torre de Moncorvo e Freixo-de-Espada-Cinta se colhem algumas amendoas, mas poucas em attenção as que se podião colher: os meloens e queijos de ovelha, são bellos, produz alguma fructa de caroço, e em toda a comarca a população he deminuta, e no lugar de Carviçaes há abundantes minas de ferro, que sendo tão interessantes como necessarias jazem no summo desprezo.
A comarca de Bragança, no termo da cidade, e villa do Oiteiro, he regularmente fria, e alevantada como a de Miranda lemitrofica; produz centeyos, trigos, alguma cevada, poucos milhos, castanha, para o que he muito natural: mas a plantação he relativamente muito deminuta, e em alguns sitios produz bellos e generosos vinhos; como são os de Izeda, Moraes, Arcas e Nuzellos que com a simples feitoria durão annos pelo balsamico, e espirituoso. Há nos dois dittos conselhos huma caudelaria, muitos prados, prados particulares, e publicos, para o pasto, e sustento dos potros; mas falta-lhe muito para chegar a estado da perfeição, a que podia subir: produzem alguns linhos de teya, mas poucos, e mal cultivados: o concelho de Chaves he mais bem temperado produz trigos, centeyos, cevadas, e milhos, linhos de teya, muitos vinhos e generosos, munta castanha, algum azeite, toda a qualidade de legumes, bellas fructas de caroço, gostosissimas hortaliças, boas lans, e alguns sitios muita cabra. Podia produzir muito canamo, e ter muito gado vacum, de que há geral falta neste Reyno. 
Se o rio Tamega que borda os largos campos, ou veiga da mesma villa fosse sangrado no simo da mesma veiga, cuja obra não sendo de mayor despeza faria regar legoa, e mea de longitude, e mea de latitude, que tem os mesmos campos, seria a colheita dos trigos melhor, e dos linhos treplicada; e nos prados arteficiaes se podião crear milhares de vitellas e bezerros, de que há huma grande falta. Os dois concelhos de Montealgre, e Ruivaes pelo montanhoso só são proprios para senteyos, e alguns milhos, poucos vinhos e verdes, alguma castanha e linhos; porem são admiraveis para a creação de gados vacuns pelos prados e pastos, que lhes fornecem os dilatados montes; e já os povos tem algum cuidado neste utilissimo e necessario ramo, mas ainda lhe resta muito para chegar ao desejado gráo de perfeição. Os conselhos que pertencem á comarca de Lamego estão na costa septentrional do Alto Doiro produzem pouco pão, algum azeite, pouca castanha e muitos, e generosos vinhos: a cultura destes pouco tem a emendar, e os caminhos daquelle terreno assim publicos, como vicinaes e muito pelo ingreme, e ladeiroso do paiz, mas quiz a Providencia que com summo prazer de todos sahisse ley para dar principio á reedificação de semelhantes caminhos, tudo devido ás solicitaçoens officiosas de hum excelentissimo genio patriotico, que os seus mercimentos o aproximárão ao throno para hum dia encher a nação daquellas felicidades, que os seus vastos projectos tem premeditado.
Os conselhos da mesma provincia pertencentes á comarca de Guimaraens produzem muitos milhos, senteyos, legumes, linhos, castanhas, painços; e os gados são regularmente cabras, e os vinhos verdes tendo muita semelhança com os da provincia do Minho aonde a agricultura está em mayor auge.
A indústria transmontana do tempo desenvolve-se essencialmente no quadro artesanal e doméstico.
Na época tinha particular desenvolvimento a indústria da seda, de grande antiguidade e tra-dição a que se pretende de novo estímulo ao longo do século XVIII sobretudo na 2.ª metade, em relação com os programas de fomento industrial público. Em terras como Chacim, Bragança, Freixo de Espada à Cinta, Chaves, a indústria está aí muito concentrada e ganhará particular desenvolvimento. A indústria de lanifícios está mais dispersa, pela abundancia de matéria prima por toda a Província. Alguma relevância – ainda que distante das acima referidas – tem a indústria do cânhamo e do linho. A seguir o testemunho de C. Ribeiro de Castro esta última tem particular desenvolvimento em Chaves. E são de referir, ainda que com uma expressão essencialmente local, as indústrias ligadas à moagem dos cereais – de carácter familiar ou comunitário – as actividades ligadas à transformação dos couros e curtumes e com elas intensamente articuladas, a exploração da casca de carvalho, do sumagre e da cal, que dão origem a um mundo de profissões muito desenvolvidas e variadas de que, sem dúvida, as indústrias do couro e calçado são a grande expressão. Neste elenco é ainda possível referenciar com alguma dimensão, a indústria da cerâmica e ferrarias.
O comércio tem o seu principal suporte no grande número de feiras que cobrem toda a região, que são a expressão, por excelência, do pequeno raio deste comércio, imposto pelas dificuldades físicas e técnicas de comunicação e circulação, mas também pelos inúmeros espartilhos administrativos, económicos e fiscais postos pelos concelhos e seu sistema autárquico e alfandegário ao desenvolvimento e formação de um mercado regional. Praticamente todas as vilas e sedes de concelho tem a sua feira reservada à conservação do seu mercado concelhio e à realização das suas receitas e financiamento municipal, embora haja algumas de mais forte configuração e expressão supra-local (concelhia) e regional. Este comércio é alimentado essencialmente pela produção doméstica ou oficinal local e vai transportada às feiras e mercados em carros de bois, recoveiros e almocreves. A estes cabe, com efeito, o essencial das ligações e transporte deste comércio intra-regional. Naturalmente alguns produtos viajam mais que outros. Já nos referimos aos contrastes económicos e especializações produtivas que obrigam e necessitam de um comércio mais alargado, à escala provincial, regional e nacional, incluindo o da exportação. De igual modo algumas importantes concentrações demográficas, nas capitais políticoadministrativas das comarcas da Província, nas sedes de implantação de importantes e desenvolvidos corpos sociais – como os militares – que obrigam a um abastecimento e comércio mais intenso, diversificado e regular.
Os postos alfandegários da raia seca são importantes pontos de observação do comércio e circulação entre a Província e a Espanha, embora se tenha consciência da grande importância e desenvolvimento do comércio, troca e intercâmbio transfronteiriço entre comunidades vizinhas dos dois Estados que se não faz pelas alfândegas e também do grande peso do comércio de contrabando para alguns produtos e mercadorias. Os principais pólos alfandegários e de passagem de mercadorias da raia seca são, a começar nos limites ocidentais, Montalegre, Chaves, Vinhais, Bragança, Outeiro, Vimioso, Miranda, Bemposta e Freixo.
Os produtos de mais larga exportação da Província Transmontana são, naturalmente, o gado, os produtos agrícolas e da economia doméstica, os têxteis, o vinho e o sumagre. O vinho do Alto Douro que atinge pelo Porto os mercados exteriores, deve o seu sucesso à navegabilidade do Douro que nos fins do século XVIII faz grandes avanços na secção fluvial do Douro Superior com a demolição e ultrapassagem do Cachão da Valeira. Tal só foi possível com as obras públicas e fluviais levadas a cabo pelo Estado e poderes públicos e municipais que consideravam então a plena navegabilidade do Douro fundamental ao desenvolvimento da economia vinícola do interior e abertura ao exterior da economia da Província transmontana. Com efeito o programa de navegabilidade do Douro é paralelo das propostas de melhoria das comunicações e outras condições que alarguem as ligações comerciais da Província de Trás-os- Montes ao território da Beira e sobretudo à Província Minhota que permitam o desencravamento da região. Estas propostas de melhoria das ligações ao exterior, são em grande medida também resposta às crises de produção e abastecimento local, às necessidades de fornecimento regular de matérias-primas e
fornecimentos que a Província não tem – particularmente o sal e o pescado – mas sobretudo à colocação no exterior das produções destinadas à exportação de origem provincial, aos quais é necessário alargar o mercado sem que se não vencerão os bloqueamentos ao seu progresso.

Memórias Paroquiais 1758

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