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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Aquele Sino na Páscoa

Não sei, assim num repente, nasceu-se-me uma infinda saudade após a lembrança da torre do sino da Igreja da minha aldeia. A Igreja ainda existe, secular e bonita com um interior de muito maravilhar, mas a torre, essa, já não. Foi derrubada pela ignorância para dar lugar a outra com ar mais moderno.

Foi um erro, para não dizer um crime, mas pronto. São águas passadas e já não há volta a dar. Era antiga. Muito antiga e de construção mais recuada que a própria Igreja que com o corpo que tem agora deve vir de há uns trezentos anos.

Mas a torre, essa pelo porte que tinha, pelo seu desenho e pelo gasto da sua pedra de granito, tenho para mim que lhe lançaram a primeira pedra pelo tempo de logo a seguir aos moiros. O original de ambas deve ser desse tempo, mas isso é conversa para outros badalares.

A torre agora é que conta pois é ela que me faz sentir cá dentro uma certa saudade dos meus tempos de menino e moço. Tinha dois sinos, um grande e outro mais pequeno, que aliás ainda estão na que lhe deu lugar. O maior, servia e serve para dar a horas, e o mais pequeno, serve para anunciar morte de cristão.

Acho que ambos ao mesmo tempo a repicar e a badalar só em caso de grande festejo, o que é raro. Poderá ser por ocasião em que o bispo venha à aldeia, mas não vislumbro incómodo de jornada para tão insigne figura, que terá outros afazeres lá no seu Paço, onde as coisas rolam a passo curto e travado.

Resta que apesar de tudo ainda é possível ouvir-se o som do sino. Já não marca os ritmos de vida quotidiana e aldeã como antigamente, mas ainda se ouve. Ainda é um soar que nos entra pelos ouvidos e se entranha pelas vielas que vão dar à alma.

Mas quanto ao sino grande, que é mesmo de meter respeito quer pelo som quer pelo seu tamanho, deixem que lhes fale de um certo padre lá da minha terra nos meus tempos de moço. Era um homenzarrão. Forte, entroncado e com ar de quem tem vigor para enfrentar seja o que for.

Pena é que o seu pensar não fosse muito arejado. Na época em que o mundo e as suas coisas mudavam e evoluíram, o padre Alberto, era assim o seu nome, tentava emperrar o caminhar e a saída das trevas das mentes dos seus paroquianos. Fazia tudo para impedir o avanço dos ponteiros do relógio do mundo. Avisava os descaminhos e dizia que dali ao inferno era uma escanchinha.

Mas era fisicamente forte. Um poço de força a bem dizer. Foi ele que mandou por o sistema que permite que o sino toque com a força da electricidade, algo de espanto naqueles anos, mas quanto ao resto, só queria que tudo se mantivesse quedo.

Antes do tal sistema automático, de cada vez que havia necessidade de se fazer tocar o sino, subia-se a torre até ele e com a mão no badalo, provocava-se o embate para nascer o som. Nada mais fácil, a não ser o trabalho de se ir até lá a cima.
Mas para dobrar o sino não era bem assim. Dobrar o sino era agarrar na corda que se prendia nele, e puxar com força até ele dar uma volta sobre si mesmo. Pois, parece fácil. A questão é que era preciso força. Muita mesmo em ambos os braços, e não era para qualquer um.

No entanto, isso não era problema para o padre Alberto. Como quem descasca uma maçã, ele só com um braço, agarrava na corda, fazia força, e o sino virava e tocava que nem um tonto. Não dava uma volta. Dava duas e até parecia que se esbandalhava todo. A torre não tremia porque era robusta e feita por quem sabia faze-las. Eram obras só destruídas pela ignorância de quem as não preserva.

Pela Páscoa, depois do meio dia de Sexta Feira Santa até ao nascer do Domingo era só rezas e orações sem que houvesse lugar a folguedos, por via do sofrimento passado por Cristo. Mas depois da Sua Ressurreição, tinha que haver celebração e festejo. E havia. Mesa farta e bailarico eram garantidos e sagrados.

Pelo alvorecer, ao primeiro cantar do galo, o padre Alberto fazia questão de dar ocupação ao sino maior. Ia-se a ele e fazia concerto. Era um dlão, dlão num louvar a Deus Nosso Senhor que nem visto. O dlim, dlim era coisa do sino pequeno. Todos os anos a morte era vencida pela vida que se quer redimida, mas nem sempre se consegue. O pecado está-nos na essência. Isto dizia ele, não sei.

Tudo isto já foi há uns anos, mas dizem por aí por vezes que no dia de Páscoa o sino grande madruga a repicar como naquele tempo. Há quem jure que ele não mexe, mas que se ouve na mesma o som. Nem sei que diga. Mas ainda hei-de tentar escutar para me aperceber.

Não sei é se aquele sino nesses momentos se consegue ouvir só com os ouvidos. Se calhar não.
Manuel Igreja

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